terça-feira, 8 de janeiro de 2008

PRINCÍPIOS DO ANARKISMO

à Erico Malatesta (1903) ß

A maior parte dos males que aflige a Humanidade é devida á má organização social. Mas a Humanidade, por sua vontade e saber, pode fazê-los desaparecer.

A atual sociedade é o resultado das lutas seculares que os homens travaram entre si. Os homens desconheciam as vantagens que podiam resultar para todos, orientando-se pelas normas da cooperação e da solidariedade. Consideravam cada um de seus semelhantes (excetuados, quando muito, os de sua família), um concorrente e um inimigo. Por isso procuravam monopolizar, cada qual para si, a maior quantidade possível de gozos, sem pensar nos interesses dos outros.

Naturalmente, nessa luta, os mais fortes e mais espertos deveriam vencer, e, de diversas maneiras, explorar e oprimir os vencidos.

Enquanto o homem não foi capaz de extrair da natureza senão o estritamente necessário à sua manutenção, os vencedores limitavam-se a pôr em fuga e a massacrar os vencidos para se apoderarem dos produtos silvestres, da caça, da pesca num dado território.

Em seguida, quando, com a criação do gado e com o aparecimento da agricultura, o homem soube produzir mais do que precisava para viver, os vencedores acharam mais cômodo reduzir os vencidos à escravidão e fazê-los trabalhar para eles.

Muito tempo após, tornou-se mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho alheio por outro sistema: conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos os instrumentos de trabalho e conceder liberdade aparente aos deserdados. Logo, estes, não tendo maiôs para viver, eram forçados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para eles, nas condições que os patrões lhes impunham.

Assim, pouco a pouco, a humanidade tem evoluído através de uma rede complicada de lutas de toda espécie – invasões, guerras, rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas, associações dos vencidos unindo-se para a defesa dos vencedores coligados para a ofensiva. O trabalho, porém, não conseguiu ainda sua emancipação. No atual estado da sociedade, alguns grupos monopolizam arbitrariamente a terra e todas as riquezas sociais, enquanto que a grande massa do povo, privada de tudo, é humilhada e oprimida.

Conhecemos o estado de miséria em que se acham geralmente os trabalhadores e todos os males derivados dessa miséria: ignorância, crimes, prostituição, fraqueza física, abjeção moral e morte prematura.

Constatamos a existência de uma casta especial – o governo – que se acha de posse dos meios materiais de repressão e que se arroga a missão de legalizar e defender os privilégios dos proprietários, contra as reivindicações dos proletários, pela prisão; e do governo contra a pretensão de outros governos, pela guerra. Detentor da força social, esse elemento utiliza-a em proveito próprio, criando privilégios permanentes e submetendo à sua supremacia até mesmo as classes proprietárias.

Enquanto isso, outra categoria especial - o clero – por meio de uma pregação mística sobre a vontade de Deus, a vida futura, etc., consegue reduzir os indivíduos a condição de suportar docilmente a opressão. Esse clero, assim como o governo, além dos interesses dos proprietários prossegue na defesa dos privilégios.

Ao jugo espiritual do clero ajusta-se o de uma “cultura” oficial, que é em tudo quanto possa servir aos interesses dos dominadores, a negação mesma da ciência e da verdadeira cultura. Tudo isso fomenta o nacionalismo xenófobo, o ódio das raças, a guerra e a paz armadas, por vezes mais desastrosa ainda que a própria guerra. Tudo isso transforma o amor em tormento ou em um mercado vergonhoso. E, no fim das contas, reinarão o ódio mais ou menos disfarçado, a rivalidade, a suspeita entre todos os homens, a incerteza e o medo de cada um em face a todos.

Os anarkistas querem mudar radicalmente este estado de coisas. E, já que todos os males derivam da luta entre os homens, da procura do bem-estar de cada um para si e contra todos os outros, querem os anarkistas corrigir semelhante sistema – substituindo o ódio pelo amor, a competição pela solidariedade, a presença exclusiva do bem-estar particular pela cooperação fraternal para o bem de todos, a opressão e o constrangimento pela liberdade, a mentira religiosa e pseudo-científica pela verdade.

Em resumo, querem os anarkistas:

1_ Abolição da propriedade (privada ou estatal) da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, para que ninguém tenha os meios de explorar o trabalho dos outros e para que todos, assegurados os meios de produzir e de viver, sejam verdadeiramente independentes e possam associar-se livremente uns com os outros, no interesse comum e conforme suas afinidades e simpatias pessoais;

2_ Abolição do estado e de qualquer poder que faça leis para impô-las aos outros. Portanto, abolição de todos os órgãos governamentais e todos os elementos que lhe são próprios, bem como de toda e qualquer instituição dotada dos meios de constranger e de punir;

3_ Organização da vida social por meio das associações livres e das livres federações de produtores e consumidores, criadas e modificadas conforme a vontade de seus componentes, guiados pela ciência e pela experiência, e libertos de toda obrigação que não se origine da necessidade natural, à qual todos, de bom grado, se submeterão quando lhe reconheçam o caráter inelutável;

4_ A todos serão garantidos os meios de vida, de desenvolvimento, de bem-estar, particularmente às crianças e a todos os que sejam incapazes de prover a própria subsistência;

5_ Guerra a todos os preconceitos religiosos e a todas as mentiras, mesmo as que se ocultam sob o manto da ciência. Instrução completa para todos, até os graus mais elevados;

6_ Guerra às rivalidades e aos preconceitos patrióticos. Abolição das fronteiras, confraternização de todos os povos;

7_ Libertação da família de todas as sujeições, de tal modo que ela resulte na prática do amor, livre de toda influência estatal ou religiosa e da opressão econômica ou física.

Erico Malatesta – 1853/1932

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